segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Aprazer




Rompe o dia (rejeito dizer irrompe, porque o associo ao invadir dos raios solares entre os espaços picotados da persiana); aliás, minto, toca o despertador no escuro bréu do quarto. Adio o acordar por trinta minutos e assumo, logo ali, as consequências do atraso. O motivo é deveras humano e, por conseguinte, deveras atendível (nunca percebi porque só uma razão de força maior, como um tornado do oeste, é razão prevalecente): é a paixão, é a imagem mais bela que os meus olhos alcançam.

A custo, não de euros, mas de preguiça visual, entrevejo, na penumbra, porventura elucidado pelo seu refulgir natural, o rosto repousado em sereno descansar. Deitada, dormindo, aquietada, sossegada, em gesto imanente de elegante princesa, fito-a em silêncio. Ganho vida e, em abrupta cascata, perco-a ao lembrar que o dia de trabalho não se contorna e a lei da vida nele me exige a presença.

Saio daquele leito, mergulho no chuveiro, visto e abotoo-me. É altura do fim, do último olhar daquela manhã. Sento na beira da cama e perco-me. Abstraio o tempo e o espaço e foco-me em recolher-lhe a serenidade do seu rosto, sim, encarno-me da voracidade do mais vil ladrão e ouso apreender, em memória guardada, tamanho deleite, para, por fim, num repente, logo arrependido, virar costas e ir à labuta diária. Até logo.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O ESTADO E A HOMOSSEXUALIDADE

No estilo pomposo habitual, em sede de conferência de imprensa, foi hoje, pelo Governo, anunciada a proposta de alteração do Código Civil, onde se regula o casamento, admitindo-se que esta instituição tutelada pelo Estado seja protagonizada por pessoas do mesmo sexo.

Ao mesmo tempo o líder parlamentar do PSD, anunciou projecto de lei do seu partido, admitindo a institucionalização de um registo civil de uniões de facto homossexuais, mas sem explicitar o novo alcance deste regime jurídico.

Além do estigma social vigente de reprovação de casais homossexuais, legalmente encontro nenhuma ou pouca discriminação na lei. Exceptua-se, o facto de um cônjuge heterossexual ser herdeiro “necessário” do outro, direito que a união de facto não permite actualmente (nem a união de facto heterossexual, nem a união de facto homossexual).

Isto posto, questão fulcral é perguntarmo-nos porquê consagrar legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Porquê o Estado abarcar com esta instituição a união entre pessoas do mesmo sexo? Afinal, o que tutela o Estado com o casamento, entre pessoas de diferentes sexos? Tutela toda uma vida a dois, de comunhão na criação de riqueza (como é óbvio, não apenas no sentido económico), bem como partilha no assumir de responsabilidades. Contudo a “criação de riqueza, em sentido espiritual e humanista, sem querer fechar, em absoluto, o conceito, concretiza-se na reprodução, inato fim da humanidade. Contraporão: Não se justificaria assim o casamento entre pessoas de sexo diferente, que não pudessem ou não quisessem reproduzir. Respondo que o casamento não existe particularmente para estas situações, embora acabe por abrangê-las, aqui sim por uma situação de não discriminação, por respeito das opções individuais e da intimidade da vida privada. Já entre pessoas do mesmo sexo, a ideia é, à partida, contra natura, pois, nem em abstracto, se admite a reprodução.

Além disto, o próximo desafio interrogativo, se a proposta de lei do Governo for aprovada, será a adopção de crianças por casais homossexuais, onde emerge, sem espaço para outras primazias, o interesse da criança. Aí, atento o contexto sócio-cultural actual não há espaço para qualquer discussão, já que o ambiente de tranquilidade e não confusão, imprescindíveis ao são desenvolvimento da criança, é intangível na sociedade portuguesa actual.

Em resumo (nem recorrendo ao primata argumento da reprodução), não entendo a necessidade de se incluir no casamento, a possibilidade de este se realizar entre pessoas do mesmo sexo, tendo o Estado muitos outros desafios e matérias a legislar, parecendo-me muito escasso e débil que os argumentos da concepção actual de casamento (e necessidade de sobre isto o Estado legislar) possam ceder perante a discriminação que se diz existir nesta matéria. Por exemplo, um engenheiro, inscrito na Ordem dos Engenheiros, não pode exigir ter as mesmas prerrogativas que têm um Solicitador, inscrito na Câmara dos Solicitadores, numa questão em que o segundo tenha um direito melhor. Igual o que é igual, diferente o que é diferente.Ou, um dia também admitiremos que um filho, que vive com a sua mãe, em economia comum (lembro que já existe uma lei que lhes permite ter um regime fiscal idêntico a quem vive em união de facto ou é casado) também possa casar com ela?

O casamento entre homossexuais é, a meu ver, um capricho social… O remédio para evitar a discriminação não é por aí, sendo que, do ponto de vista do Estado, o único direito que lhes será concedido é passarem a ser um dos tais herdeiros “necessários”.

Como se posicionará o Parlamento Português, a proposta do Governo será mesmo aprovada? Julgo que não. Porventura, terá os votos favoráveis do P. S. e do B. E., mas tem viva força opositora do P. S. D. e do C. D. S. – P. P., sobrando o P. C. P., que diz ser necessário um amplo debate na sociedade portuguesa, o que está longe de acontecer, daí que deva votar contra, assim inviabilizando a aprovação

A rever, no primeiro semestre de 2010.