segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Merda! Acabaram as férias!

É o grosseiro desabafo de um operário oprimido pela inexorabilidade quotidiana dos tempos pós 2.ª revolução industrial.
Mas a indelicada palavra não é apenas uma revoltada forma de exprimir a profunda saudade das tardes de papo para o ar, das loirinhas geladinhas (e outras menos frígidas), do tremoço e da tremoça, do caracol e do carapau, dos grelhados ao fim do dia, dos banhos nas tépidas águas do areinho de Avintes, do anúncio da nova contratação do Benfica, das biclas da volta à Portugal, do rejuvenescedor cheiro a incêndio, dos passeios à beira-mar, dos decotes das bifas e do topless das nativas, dos arraiais e romarias, dos foguetes, das procissões, da porrada no Café Central, dos favaios e dos martinis, do anúnico da frustração da nova contratação do Benfica, dos concertos do Marante, Emanuel e afins, etc., etc., etc.
Não, a rude palavra utilizada não é somente um meio de exorcizar o medo de ver todas estas maravilhas da humanidade desaparecerem para sempre, como se o Verão acabasse e, por manobra e desgraça da Madrasta Natureza, entrássemos num ciclo interminável de trabalhos forçados, durante Outonos e Invernos para toda a eternidade
"Merda" é bem mais do que isso. Como se não bastasse o eclipse social, familiar e individual que o fim do Verão acarreta para o operário, já se pressagiam outros efeitos secundários, ou direi mesmo principais, de tal modo funestos e catastróficos que são capazes de ridicularizar qualquer infantil receio de nunca mais poder ir à praia ou a angústia diária da maquinização.
Este ano, o fim do Verão, representa muito mais do que o fim das férias e o começo do labor.
Representa o início de uma era de pânico, de medo, de terror, de desespero. Uma grave epidemia está atacar o nosso país. Já o começou a fazer pela calada, enquanto gozávamos as nossas férias e as nossa defesas estavam em baixo. O vírus andava por aí: nos autocarros, nos comboios, nas feiras, nas romarias, nas praias, nas piscinas, espirrando e tossindo para cima de nós. Alguns já sentiram na pele o seu dano directo. A maioria nem reparou o mal que lentamente a rodeava. Mas agora que o terreno está minado, esta epidemia tem pernas para andar e já não há nada que possamos fazer para evitar que a nossa sociedade seja conspurcada, que toda a nossa humanidade seja contaminada.
No extremo da falésia, o operário, de olhos aguados, lança um derradeiro olhar sobre o horizonte, passa a mão lívida pela teste ardente de febre, beija as fotografias da mulher e dos filhos; toda a sua vida passa à sua frente, projectada na água gelada que engolirá o seu corpo doente e incapaz de lutar. Antes do impulso fatal, para evitar que o arrependimento se apodere do seu espírito durante a queda, tornando o fim ainda mais difícil, o operário, com voz sumida, relembra para si a razão da sua resolução: "Merda! Acabaram as férias... vêm aí as eleições!"